Artista - AshTreJinkins
Título - It's Trash Now
Gravadora - Leaving Records
Ano - 2024
Formato - LP, vinil simples
IT’S TRASH NOW, lançado em 1º de dezembro de 2023 pela Leaving Records, funciona como uma carta de amor (quase) sem palavras à música. Mas também é um manifesto, um desabafo, uma série de entradas de diário abstratas e/ou um catálogo de sentimentos vividos em sonhos meio esquecidos.
AshTreJinkins, beatmaker, produtor e rapper nascido em Los Angeles, é pura alegria, intensidade e lealdade feroz — ou melhor, um impulso tanto de representar quanto de defender — os gêneros e cenas que moldaram sua trajetória. Essa energia transborda ao longo de todo o álbum, inclusive na imagem de Jinkins na capa: puxando um gorro de tricô selvagem sobre os olhos, boca aberta — talvez rindo? Talvez gritando de frustração exagerada...? Mas com o quê? Com toda a besteira e nonsense — o “lixo” (do qual, convenhamos, há bastante). Mas ele não é amargo. Ele é comprometido. E a frustração, especialmente quando vem acompanhada de um bom senso de humor (como acontece ao longo de TRASH), pode ser canalizada e transformada.
“It’s Trash Now...” — vale notar a rima sonora e imagética entre o nome do álbum e o apelido artístico: “It’s trash” e “AshTre”… Jinkins é um conhecedor do ruído, vasculhando beats do passado como um crust punk atrás de uma bituca com um restinho de tabaco. Ele separa o que é verdadeiro e descarta as imitações baratas — os que fingem ocupar o trono.
A primeira faixa, “MYSPACE 2006”, nos situa no tempo e na estética. Quem viveu, sabe (e quem não viveu, talvez nunca saiba): o surgimento das redes sociais, especialmente o MySpace, foi um salto radical para músicos independentes, ampliando horizontes — de influências, conexões, possibilidades. Num instante você é só um garoto ouvindo gospel e Jill Scott no banco de trás do carro da sua mãe; no seguinte, está instalando o FruityLoops 7 no computador da família. Logo depois, o lendário Ras G está assistindo sua primeira cypher — e em pouco tempo te leva para jantar comida etíope, disposto a trocar ideias.
Mas essa ambição vem com uma crítica embutida: um ceticismo visceral diante de quem persegue dinheiro, fama e influência às custas da música. Só pelo título, a faixa “NOT COCO BUTTER ENUFF” já parece um ataque ao neo-soul comercial demais que, na visão de Jinkins, encerrou muitas carreiras experimentais promissoras. A própria faixa, uma das mais densas e texturadas do disco, reforça isso. Da mesma forma, “YOU WERE NOT SPACE BASE APPROVED” é uma meditação tortuosa sobre a inevitável enxurrada de oportunistas que surgem quando uma lenda morre.
TRASH caminha entre o ambient e o universo da cena beat californiana que levou Tre a se apresentar. “LEVELS TO THIS” é uma verdadeira explosão ao estilo Low End Theory de 2009. Já a faixa final, “WE NOT LINCOLN”, é mais contida, mas ainda traz batidas marcantes — com uma nostalgia sutil de IDM, se você prestar atenção. Essa nostalgia, aliás, junto com o humor (do tipo seco e inteligente), são duas cores fortes no disco. “DRUG DEPRESSED”, a segunda faixa, é quase um interlúdio, confessional e meio cômico — começa com a confissão modulada: “...I am drug depressed” — e se desenrola sobre uma base trêmula e vacilante. Nunca dá pra saber ao certo se Jinkins está sendo totalmente sério ou irônico. Mas isso nem importa. Sarcasmo e sinceridade podem coexistir — e IT’S TRASH NOW é a prova viva disso, um disco instrumental de hip-hop eletrônico (adicione seu subgênero favorito) em onze faixas.
Jinkins é, para citar duas faixas do próprio disco, um “young old head” com um “day one archive”. E os amantes de música, de todas as idades e estilos, fariam bem em prestar atenção.